26 de setembro de 2016

1. Adágio para duas vozes

 
Pra m’inspirar
abro a janela como um jornal...

O silêncio é
uma paisagem constante.

Querida Solveig,    
Peer Gynt,
Tenho pensado muito em você...
E agora nesta hora da minha vida
tenho uma vontade vadia como um fotógrafo.
Uma vontade de voltar, vontade
que cresce a cada ilha
e passos deixados para trás.

Em sonhos, pequenos delírios
ouço as palavras que são suas.
Palavras repetidas
em um sorriso elegante e sem jeito,
como o canto de pássaros
 que ninguém vê nas árvores.

Quem sabe....                
no futuro, quando os homens
inventarem as agências de correio,
Quem sabe, os amantes
talvez possam trocar
carinho e chocolate em suas cartas!

todos os amantes
possam trocar
confidências em segredo!

No entanto, é grande a espera até
que você chame a Federal Express...

Eu aproveitaria
e mandaria os cartões postais
dos lugares que vi...
tantas paisagens, oceanos, imagens...

E eu guardaria
as polaroides recebidas
como o roteiro de sua viagem.

Mas há essa distância!
Toda essa ausência...
A maldita distância
no tempo e no espaço
deixando tudo impossível!
consome horas
e horas de espera...

Como eu gostaria,
de um dia, receber
notícias suas.


Querida Solveig,
minhas cartas mal escritas,
meus afetos em desalinho
ficam comigo guardados
para serem todos entregues
em seu ouvido.

Quem sabe,
ecoarão nossas vozes
pelo tempo... o ar
carregado de eletricidade!

Que alegria teu rádio...
Fiquei tão contente
Que fui à missa.
Na igreja toda gente me olhava:
Ando desperdiçando beleza
longe de ti.



* Peter O’Sagae. Peer Gynt – 1. Adágio para duas vozes.
Do roteiro original inspirado na música de Edvard Grieg para a peça de Henrik Ibsen. Versos incidentais de Oswald de Andrade. Rádio USP FM, 1996. Noites poéticas, 1997.

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